Fundação do Clube de Praças da Armada

A fundação do Clube de Praças da Armada, enfrentou desde logo as dificuldades que, grosso modo, podemos agrupar em quatro ordens de razões.

● Uma decorrente do seu objectivo, isto é, da ambição dos seus sócios se reunirem para livremente discutir os seus problemas profissionais, sociais e de carreira o que, obviamente, sempre foi olhado com desconfiança pelo poder instituído em todas as épocas históricas e relativamente a todas as associações do género.

● Outra relacionada com a imagem que as hierarquias e a própria população tinha dos marinheiros e que, em parte, deriva do processo de recrutamento que outrora era praticado. De facto, durante muito tempo, devido às miseráveis condições de vida a bordo e à disciplina férrea, não havia muitos voluntários que quisessem servir a corporação. Neste contexto, as autoridades recorriam ao recrutamento forçado. Para as caravelas do Gama, eram frequentemente recrutados marinheiros com “falta de aptidões; inadequação física e degenerescência moral"1. Neste recrutamento forçado pontificavam marginais, presidiários e outros arruaceiros apanhados em rusgas que depois eram compulsivamente entregues no Arsenal da Marinha para constituírem as guarnições dos navios. Apesar deste método despótico ter terminado há mais de cento e cinquenta anos, (terminou em 1851 com a criação do Corpo de Marinheiros Militares), o ferrete social manteve-se e chegou até aos nossos dias: “Marinheiro já é gente de bebedeira e facada, homens cheios de vícios, ainda por cima «vermelho»!2.
De modo que, quando o CPA arrendou o seu primeiro espaço para sede social no Pombal-Cova da Piedade em 1983, os habitantes fizeram um abaixo-assinado para impedir a instalação de um Clube de Marinheiros no Bairro. É claro que à hierarquia da Marinha, convinha incorporar este estigma, tanto mais que o CPA representava um perigo real de continuidade do associativismo cultural iniciado com o 25 de Abril de 74. E na verdade é na base deste preconceito que se comporta. É disso exemplo, o tratamento que dispensa às várias solicitações que os sucessivos grupos de trabalho do CPA dirigem ao CEMA, a solicitar uma audiência, a fim de lhe explicar de viva voz, o que se pretendia com a criação do Clube de Praças da Armada. Todas as tentativas saíram goradas. E mesmo depois da criação do Clube, com estatutos aprovados e publicados em Diário da República, o Estado-Maior da Armada emitiu uma mensagem a proibir a divulgação da escritura em unidades militares.

● Outra dificuldade relacionava-se com o pagamento da escritura. A escritura custou 980$00 (novecentos e oitenta escudos). Convém recordar que, na sua formação, o CPA não teve qualquer apoio financeiro de entidades públicas ou privadas, individuais ou coletivas. A solução encontrada foi organizar eventos, para recolha de fundos.

● Finalmente, a constituição de um grupo de 10 Marinheiros para signatários da escritura. O grupo teria de obedecer a duas condições, a saber: serem camaradas que não estivessem comprometidos com o PREC (Processo Revolucionário em Curso) e/ou que já não tivessem nada a perder no que respeita à carreira militar.
Constitui-se então o seguinte grupo, (pela ordem que consta na escritura):
José Cândido Pereira Barreiro – 1º Marinheiro CCT
Inácio Joaquim Parreira Papança - Grumete
Severino Afonso dos Santos – Cabo AUX
Francisco José Moreira Barão – 1º Marinheiro L
Manuel Godinho Ricardo Gomes - Cabo R
António Sobral - Cabo FZ
Carlos Alberto Guerreiro Lourenço - Cabo FZ
José Vicente Correia do Carmo - Cabo L
Carlos Alberto Martins da Silva - 1º Marinheiro L
Júlio José Reis Xavier Machado - Cabo L
E em 16 de agosto de 1983, estes camaradas compareceram no 1º Cartório Notarial de
Almada e foi formalmente criado o Clube de Praças da Armada.

Francisco Barão
(Setembro de 2022)


1PAULO, Eulália e GUINOTE Paulo, Problemas de Recrutamento para as Armadas da Carreira da Índia, 1996, publicado em "Problemas de Recrutamento para as Naus da Carreira da Índia (tamu.edu)
2SENA, Jorge de, Sinais de Fogo, Porto 2017, p.630. Nota: a palavra vermelho refere-se ao jornal “O Marinheiro Vermelho”

Legenda das especialidades:
AUX – Auxiliar
CCT – Comunicações
FZ - Fuzileiro
L – Abastecimento
R - Radarista